Separada de Espanha pelo Guadiana, a vila raiana de Alcoutim deverá ficar ligada à outra margem do rio por uma ponte internacional, na sequência de um acordo ibérico assinado em Faro. Mas será que a nova ponte faz falta?

No passado terra de contrabando, Alcoutim é sede de um dos concelhos mais envelhecidos e desertificados do Algarve, com menos de 3.000 habitantes. Situado no extremo leste da região, está separado de Sanlucar de Guadiana pelo rio e há mais de 20 anos que se fala em construir ali uma ponte entre os dois países. As verbas da ‘bazuca’ europeia vieram acelerar essa intenção e o projeto de criar uma segunda ligação rodoviária entre o Algarve e a Andaluzia pode mesmo avançar. Mas nem todos sentem que a ponte é necessária.
No cais onde se apanha o barco para fazer a travessia, que dura apenas alguns minutos, é habitual encontrar estrangeiros. De mochila às costas, a pé ou de bicicleta, a maioria é caminhante e anda por ali a percorrer os trilhos da Via Algarviana ou outras rotas. Gilles e Cécile, de Paris, amantes de caminhadas, estão à espera do barco para o outro lado e não têm dúvidas de que a construção de uma ponte ali vai afastar turistas como eles. “Se vai fazer diferença haver aqui uma nova ponte? Sim, mas para pior”, dispara Gilles. Pela segunda vez no Algarve, ouviram falar do projeto poucos dias após terem chegado à região e não têm dúvidas de que, para quem procura a paz e o silêncio do nordeste algarvio, a nova ponte não é uma boa ideia. “Vêm aqui muitos turistas e penso que procuram um sítio calmo, com poucos carros. Uma nova ponte vai trazer trânsito, barulho… para o nosso perfil de turistas é melhor como está agora, sem ponte. Mas para o desenvolvimento económico e para a região acredito que seja melhor ter uma ponte”, diz Gilles.
Os barcos para o outro lado da margem partem a cada meia hora, mas quem ali vive não hesita em dizer que o outro lado “é ainda pior” do que Alcoutim, porque não “tem lá nada”. É o caso de José Manuel Cavaco, que explora o negócio das travessias e organiza passeios de barco no Guadiana. “A ponte de Alcoutim está para os alcoutenejos como o regresso de D. Sebastião está para os portugueses”, ironiza. Segundo o empresário, a maior parte dos seus clientes são pessoas que fazem a atividade da tirolesa transfronteiriça, que é do lado espanhol e liga as duas margens em menos de um minuto. “A maior parte das pessoas passa aqui por causa do slide, mas não fica aqui tempo nenhum”. Com o negócio ali montado desde 2010, defende que a ponte, se tivesse sido construída há 30 anos, tinha sido “ouro sobre azul”, mas que, agora, de pouco vale. “Temos uma ponte 40 quilómetros a sul, outra a 40 quilómetros a norte. Para quê mais uma?”, interroga, apresentando como alternativa usar essa verba para investir na habitação. O empresário acredita que as pontes podem ser vias de desenvolvimento, mas, na maior parte das vezes, não para as localidades onde estão inseridas. E dá o exemplo de Vila Real de Santo António, a 40 quilómetros de Alcoutim, cidade próxima da única travessia rodoviária entre o Algarve e a Andaluzia. “Vila Real de Santo António não beneficiou da ponte sobre o Guadiana, não está morta, mas não evoluiu. Quem ganhou com isso é quem está na outra ponta do Algarve”, remata. A rececionista do Hotel d’Alcoutim, localizado mesmo junto ao local onde deverá ser construída a nova ponte, tem a mesma opinião: a nova travessia é apenas mais uma porta de entrada que em pouco ou nada vai dinamizar Alcoutim. “É uma nova passagem de fronteira. No Pomarão, em Mértola, não tem grande saída, há pouca gente a usar, e vai dar ao mesmo sítio. Seremos invadidos por espanhóis, provavelmente”, graceja. Paula Ramires não acredita que a nova travessia ajude a dinamizar a economia local e considera mesmo que esse dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) devia ser canalizado para outros investimentos. “Olhe, por exemplo, para dar reformas dignas às pessoas ou para a saúde. Já viu o estado em que está o nosso centro de saúde?”.
Confrontado com estas críticas, o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, José Apolinário, alega que a nova ponte não pode ser vista apenas “na lógica” da vila de Alcoutim. “A ponte tem de ser vista como um investimento no interior, como um fator de dinamização da Estrada Nacional 124, que atravessa todo o interior do Algarve, desde Alcoutim ao Porto de Lagos, na outra ponta da região”, defendeu. Segundo o presidente da entidade que gere a distribuição dos fundos do PRR, esta estrada tem de ser dinamizada para dar vida às localidades do interior, para que as pessoas que venham de Espanha consigam aceder a estas povoações mais facilmente. “Acredito que a ponte vai permitir levar pessoas a outras aldeias e vilas do interior, não se trata apenas de Alcoutim”, referiu, lembrando que no Festival do Contrabando, realizado no início de abril, estiveram em Alcoutim cerca de 50 mil pessoas.
O certo é que o acordo estabelecido entre Portugal e Espanha para a construção da ponte está aprovado e a obra, para beneficiar do financiamento do PRR, tem de ficar concluída até 30 de junho de 2026. O projeto, orçado em 15 milhões de euros, vai servir o tráfego rodoviário, pedonal e de bicicletas, reduzindo em 70 quilómetros o percurso por estrada em relação ao que é possível fazer hoje.